quarta-feira, 28 de outubro de 2009

ZOO-745. Nutrição Animal III

ZOO-745. Nutrição Animal III

VITAMINA E

1. INTRODUÇÃO
A vitamina E foi descoberta em 1922 por Evans e Bishop e considerada como um fator não identificado, necessário para a reprodução de ratos. Naquela ocasião, observou-se experimentalmente que, a despeito de um início normal da gestação, os fetos logo morriam e eram reabsorvidos. O problema não ocorria quando a dieta era suplementada com pequenas quantidades de germe de trigo, feno de alfafa ou alface fresca.
Alguns anos depois, a Vitamina E foi isolada e recebeu o nome de α-tocoferol, relacionado ao seu efeito sobre a reprodução. A estrutura do tocoferol foi, finalmente, determinada em 1938 por Fernholz. Neste mesmo ano, a substância foi sintetizada por Karrer.
Ao longo deste período e em anos subseqüentes, a deficiência dietética de Vitamina E foi sendo associada a uma série de distúrbios e disfunções em diversas espécies animais: diátese exudativa e encefalomalácia em aves, necrose hepática e distrofia muscular em suínos além de outras doenças nutricionais nessas e em outras espécies.
Mais recentemente (a partir de 1957), foi observado que sintomas de deficiência de vitamina E poderiam ser prevenidos com o uso do selênio, aminoácidos sulfurosos ou, ainda, com anti-oxidantes sintéticos, ensejando um grande esforço dos pesquisadores em definir os mecanismos de ação da vitamina E e dos outros produtos mencionados.
Hoje em dia, é amplamente reconhecida a importância da vitamina E como um nutriente essencial para todas as espécies animais, inclusive o homem.

2. ESTRUTURA QUIMICA E PROPRIEDADES
Usa-se o termo vitamina E para designar uma série de compostos de origem vegetal: quatro tocoferois e quatro tocotrienois (α, β, γ, δ), encontrados em a natureza. A variação do número de grupos metil do núcleo 6-hidroxi-cromano (cromanol) e do grau de insaturação da cadeia lateral isopreno definem as formas da vitamina (figura 4-2).
O acetado de dl-α- tocoferol é aceito como padrão internacional (1mg = 1 U.I). O produto sintético livre d-α-tocoferol tem uma potência de 1,1 U.I./ mg. A atividade do d- α - tocoferol, produto natural, é de 1,49 U.I./ mg e do seu acetato é de 1,36 U.I./ mg. As outras formas (α, β, γ, δ) tem potências inferiores decorrentes da perda de um ou dois grupos metil das posições 5 e 7 do núcleo cromanol.
Embora as formas alcoólicas naturais apresentem maior atividade, elas são facilmente oxidadas. Este processo pode ser acelerado pelo calor, umidade, luz, presença de gorduras rancificadas, álcali e alguns minerais (cobre e ferro). O α- tocoferol é um excelente anti-oxidante natural, mas é destruído neste processo. Assim sendo, a esterificação é usada para estabilizar o produto. Usualmente, os suplementos comerciais contêm acetato de d-l-α-tocoferol ou de d-α-tocoferol. Esta forma esterificada não tem ação anti-oxidante “ in vitro”, mas é prontamente hidrolisada no intestino, liberando α-tocoferol, este sim, um potente anti-oxidante no organismo.

3. PROCESSOS ANALÍTICOS
Dentre os métodos de determinação de tocoferois nos alimentos e tecidos animais, alguns dos quais sujeitos a interferências de outros compostos, a cromatografia líquida de alta pressão (HPLC) pode ser destacada por ser um método rápido, isento de interferências de outras substâncias e permitir a separação e quantificação das formas(α, β, γ).
Ensaios biológicos para determinar a atividade da vitamina E para prevenção ou reversão de sintomas de deficiência também podem ser usados.

4.METABOLISMO
a- Absorção e Transporte.
A absorção da vitamina E está relacionada com a digestão de lipídeos e é facilitada pela bile e lipase pancreática. Ela é absorvida, principalmente na forma alcoólica (o éster é hidrolisado).É transportada ate a corrente sanguínea via linfa. Triglicerídeos de cadeia média estimulam a absorção e ácidos graxos poli-insaturados inibem-na. A absorção é reduzida se comparada à da vitamina A. 65 a 80% podem ser recuperados nas fezes em algumas espécies animais,mas para pintos a absorção é alta (75%).
Um processo de saturação pode ocorrer quando a ingestão é elevada, reduzindo a percentagem de absorção.
No plasma, a vitamina E está ligada às lipropoteinas e, uma vez no fígado, é liberada junto com o colesterol das LDL. Normalmente, o grau de absorção está relacionado com a potência dos diversos tocoferois. Deste modo, a forma α é melhor absorvida que as demais.
b- Transferência Placentária ou Láctea
A vitamina E não atravessa a placenta em quantidades apreciáveis. É, no entanto, bastante concentrada no colostro. Assim, enquanto há uma redução da vitamina E sérica fetal, o recém-nascido recupera o nível desta vitamina após a ingestão do colostro (tabela 4-2)
C- Armazenamento e Excreção
A vitamina E pode ser armazenada em todos os tecidos corporais, sendo o fígado e os tecidos adiposo e muscular, os principais depósitos. Ela pode ser armazenada no organismo por longos períodos, embora pequenas quantidades permaneçam disponíveis ao longo do tempo. Uma vez interiorizada nas células, a vitamina E apresenta-se mais concentrada nas organelas, tais como microssoma e mitocôndria, que têm alta atividade de oxi-redução. As reservas de vitamina E são rapidamente esgotadas pelos PUFAs. A principal rota de excreção de vitamina E é a bile, onde o tocoferol aparecem na forma livre. Menos de 1% é excretado na urina.

5- FUNÇÕES.
A vitamina E é essencial para integridade e o funcionamento adequado dos sistemas reprodutivo, muscular, circulatório, nervoso e imune. Apesar disto, algumas de suas funções podem ser realizadas inteira ou parcialmente pelo selênio ou anti-oxidantes sintéticos. Os aminoácidos sulfurosos, cistina e metionina, também podem afetar algumas de suas funções.


a) Vitamina E como Anti-oxidante Biológico
Uma das mais importantes funções da vitamina E é o seu papel como agente anti-oxidante inter e intracelular. Atua na defesa da célula contra os efeitos adversos do oxigênio ativado e dos radicais livres que iniciam a oxidação dos fosfolipídios insaturados e alguns grupos sulfidrila. A vitamina E age como doador de elétrons para as radicais livres, impedindo a retirada de átomos de hidrogênio de ácido graxos insaturados, que, sendo uma reação em cadeia, pode destruir milhares de moléculas de PUFA.
O oxigênio ativo é continuamente produzido pelo organismo durante o metabolismo celular aeróbico ou pela ação de algumas enzimas como oxidase, desidrogenase e peroxidase. A atividade do sistema imune também resulta em produção de radicais livres. Assim, os anti-oxidantes são extremamente importantes para o sistema imune e a saúde dos animais.
O selênio, componente da enzima glutation-peroxidase, interage com a vitamina E na destruição do peróxido de hidrogênio.
b) Estrutura da Membrana e Síntese de Prostaglandina.
O α-tocoperol pode estar envolvido na formação de componentes estruturais das membranas, via arquitetura de fosfolipídeos. Estimula a formação do ácido araquidônico a partir do ácido linoleico e na formação de prostaglandina E a partir do ácido araquidônico.
c) Coagulação Sanguinea
A vitamina E inibe a agregação plaquetária em suínos.
d) Resistência a Doenças
Em conjunção com outros agentes anti-oxidantes, como vitamina C, selênio e β-caroteno, a vitamina E estimula a imunidade, pela manutenção da integridade funcional e estrutural das células do sistema imune. Protege os leucócitos e macrófagos durante o processo de fagocitose, que gera produtos tóxicos àquelas células.
Qualquer infecção ou fator de estresse pode acelerar a depleção dos estoques de vitamina E dos tecidos, podendo comprometer o desempenho do animal.
A vitamina E tem uma ação estimuladora na síntese de anti-corpos séricos (IgG). Além disto, atua na redução de glicocorticoides, que são imunossupressores. Assim, a deficiência desta vitamina aumenta a patogenicidade de certas linhagens de vírus.
e) Transportes de Elétrons e DNA
Há evidências, embora limitadas, de que a vitamina E esteja envolvida nas reações de oxi-redução. Também atua na regulação da biossíntese de DNA.
f) Relação com Selênio
A vitamina E interage com o selênio na proteção contra a toxicidade de três classes de metais pesados: cádmio e mercúrio, em que o selênio é mais efetivo; prata e arsênio, onde, ambos são efetivos e chumbo, em que a vitamina E é mais efetiva.
O selênio tem um efeito poupador de vitamina E, podendo retardar o aparecimento dos sinais de sua deficiência. Da mesma forma, tanto a vitamina E quanto os aminoácidos sulfurosos podem proteger parcialmente o organismo dos sintomas de deficiência de selênio. Estas substâncias atuam em diferentes mecanismos bioquímicos: a vitamina E previne a oxidação de fosfolipídeos, os aminoácidos sulfurosos são precursores da glutation-peroxidase e o selênio é um componente desta enzima.
Embora sejam mutuamente substituíveis, há limites abaixo dos quais esta substituição não é efetiva. Em dietas muita deficientes de selênio, por exemplo, a vitamina E não previne ou cura a diátese exudativa. A adição de pequenas dosagens de selênio é, então, necessária.
g) Outras Funções
Algumas funções adicionais da vitamina E podem ser citadas: reações normais de fosforilação em fosfato de creatina e ATP; na síntese de vitamina C; na síntese de ubiquinona e no metabolismo de aminoácidos sulforosos. Além disto, a vitamina E atua no metabolismo da vitamina B12 e metabolismo da vitamina D no fígado e rins, reduzindo a atividade da hidroxilase.

6. EXIGÊNCIA DE VITAMINA E
A determinação das exigências de vitamina E pode ser muito difícil, devido às inter-relações com outros fatores nutricionais. Alguns fatores contribuem para aumentar a exigência: PUFAs, agentes oxidantes, vitamina A, carotenóides, gossipol e microminerais. Outros fatores induzem à redução da exigência: anti-oxidantes lipossolúveis, selênio e aminoácidos sulfurosos. Deste modo, alimentos que contenham óleo de fígado de bacalhau, óleo de linhaça ou outros óleos vegetais com certo grau de rancificação podem elevar a exigência de vitamina E (tabela 4-3).
A quantidade de vitamina E exigida para crescimento e reprodução adequados pode não ser suficiente para assegurar o funcionamento ótimo do sistema imune. Sendo
assim, dosagens mais elevadas podem ser necessárias, dependendo das condições sanitárias da criação (150 a 300 U.I./ kg).

7. FONTES NATURAIS
A utilização do método analítico HPLC enseja a determinação do teor de vitamina E dos alimentos, separando as formas α-locoferol ou α-tocotrienol das outras (não alfa). Como estas formas possuem diferentes biopotências (α = 1; β = 0,5;γ= 0,1 e δ = 0,3), alguns nutricionista divulgam apenas o conteúdo da forma α nos diversos alimentos. Para efeito prático, pode-se multiplicar o teor de α-tocoferol dos alimentos por 1,2 para se levar em conta a presença das outras formas.
Os óleos vegetais (tabela 4-4) são boas fontes de vitamina E. Já os produtos de origem animal, exceto a gema do ovo, são pobres. As forragens verdes e os fenos de boa qualidade são relativamente ricos nesta vitamina.
E baixa a estabilidade dos tocoferois naturais, ocorrendo grandes perdas no processamento e armazenamento dos alimentos. Assim, os valores apresentados em tabelas podem não corresponder à realidade, quando da formulação de rações.

8. DEFICIÊNCIA DE VITAMINA E
A vitamina E, entre todas, é aquela que apresenta maior variação de sintomas de deficiência.
a) Ruminantes
A doença do músculo branco (distrofia muscular nutricional) é uma doença degenerativa que acontece principalmente animais jovens. Ela pode ser congênita ou se desenvolver após o nascimento, normalmente até os 4 meses de idade. Esta doença é caracterizada por fraqueza, rigidez e degeneração muscular, causando dificuldade de locomoção, incapacidade de mamar ( o músculo da língua é afetado) e morte, devida aos severos danos causados ao músculo cardíaco. Transporte, mudança brusca de alimentação e outras situações de estresse podem favorecer o aparecimento da doença. Outros sintomas que podem ser observados em animais adultos são: aborto, partos prematuros, retenção de placenta, metrite, falhas reprodutivas, redução na qualidade e produção de sêmen e rancificação da gordura do leite.
b) Suínos
Distrofia muscular e hepatose dietética são as principais doenças associadas à deficiência de vitamina E e selênio em suínos. Os sintomas são: morte súbita, fraqueza, dificuldade de locomoção, respiração ofegante, etc. Distúrbios reprodutivos podem ocorrer em porcas, redundando em leitegadas pequenas. Podem, ainda, ocorrer: agalaxia, mortalidade de leitões na primeira semana, nascimento de prematuros e infertilidade. Nos varrões os sintomas são: baixa motilidade espermática e maior número de espermatozóides anormais.
A necrópsia dos animais pode evidenciar alguns sinais da deficiência: necrose do fígado, miopatia degenerativa dos músculos esqueléticos e cardíacos, úlcera gástrica, nefrose, hemorragia em vários órgãos, etc.
Situações de estresse e a presença nos alimentos de substâncias tais como óleos rancificados e micotoxinas, que reduzem a absorção de vitamina E no intestino delgado, podem ensejar o aparecimento das doenças anteriormente mencionadas.
c) Aves
As principais doenças provocadas pela deficiência de vitamina E e selênio são: a diátese exudativa, caracterizada por um edema subscutâneo, produzindo uma descoloração azul-esverdeada na pele, e ainda por inapetência, paralisia e mortalidade entre 2 a 6 semanas; a encefalomalácia, que provoca prostração súbita, entortamento das pernas e dedos e retração da cabeça, devido a hemorragia e edema no cerebelo e distrofia muscular, esta também associada à deficiência de aminoácidos sulforosos. A encefalomalácia pode ser prevenida pela vitamina E, mas a distrofia muscular e a diátese exudativa necessitam também de selênio para sua prevenção.
Uma deficiência prolongada de vitamina E em galinhas resulta em baixa eclodibilidade dos ovos, mortalidade embrionária e esterilidade permanente das matrizes.
d) Outras Espécies Animais
Em potros, a distrofia muscular é o principal resultado da deficiência de vitamina E. Pode ser caracterizada por dificuldade de se levantar, de mamar e de engolir o leite, além de uma aparência de fraqueza generalizada.
Em peixes, alem da distrofia muscular, ocorrem redução do crescimento, exoftalmia, hemorragias cutâneas, fígado gorduroso e danos aos órgãos reprodutivos.
e) Diagnóstico da Deficiência de Vitamina E
Além dos sinais clínicos já mencionados, a deficiência de vitamina E e/ou selênio pode ser confirmada através de exames histopatológicos e da determinação do nível plasmático do α-tocoferol. Neste caso, valores abaixo de 0,5 μg/ml indicam a deficiência.

9. SUPLEMENTAÇÃO
A vitamina E pode ser suplementada das seguintes maneiras: como parte do concentrado (ração), misturado ao premix mineral, misturada na água ou injetada. A principal forma disponível no comércio e o produto sintético acetato de dl-α-tocoferol que, após a hidrólise, no intestino, libera a forma alcoólica ativa, que é, então absorvida. O d-α-tocoferol pode ser extraído de óleos vegetais e acetilado. As formas esterificadas são bastante estáveis e, portanto, resistente à oxidação durante o armazenamento.

10. TOXICIDADE
É relativamente baixa a toxicidade da vitamina E. Níveis muito elevados desta vitamina na dieta (acima de 2.000 U.I./kg) podem reduzir o crescimento de frangos e causar problemas de coagulação sanguínea em diversas espécies, principalmente quando há deficiência de vitamina K.
11. LITERATURA CONSULTADA
McDowell, L.R. Vitamins in animal and human. nutrition. Iowa Univ. Press, 2000. 793p.

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