quarta-feira, 28 de outubro de 2009

O veludo selvagem de David Lynch: recriações da estética surrealista no cinema.

O veludo selvagem de David Lynch: recriações da estética surrealista no cinema.
Rogério Ferraraz
Introdução
A escolha da obra do norte-americano David Lynch recai sobre o fato de que nela
podemos observar a revalorização das características surrealistas, além de tratar-se de um
artista contemporâneo pelo qual ainda não formulamos conceitos históricos estabelecidos.
Analisar as práticas de citação, paródia ou pastiche, levando-se em consideração o contexto
em que ocorrem essas transposições, permitirá ao trabalho apontar para as inspirações e
para as novas significações propostas pelo cinema de David Lynch. Com base nas
comparações críticas de determinados elementos por nós destacados, buscaremos expor
como Lynch atualiza as características surrealistas no cinema, tendo em vista paradigmas
detectados nos filmes das décadas de 20 e de 30, relacionados com a arte surrealista.
Alguns pontos chaves são de extrema importância para elucidarmos as relações
existentes entre as obras de David Lynch e dos cineastas surrealistas. Estudaremos como
ocorrem essas transposições, tanto na temática quanto na própria estruturação das imagens,
na construção do espaço fílmico. Vamos verificar em que medida existem semelhanças em
relação ao uso das diferentes figuras de linguagem na construção de determinadas
seqüências, ao desenvolvimento de um cinema metafórico por excelência e às conotações e
às relações simbólicas trabalhadas pelos surrealistas e provavelmente re-trabalhadas por
Lynch no que chamamos de cinema neo-surrealista. Algumas características surrealistas
revistas e atualizadas por Lynch que tentaremos explicitar nesse trabalho são:
- A beleza convulsiva, decorrente do encontro de realidades distintas (e muitas vezes
conflitantes, conforme o pensamento tradicional) num mesmo espaço;
- O amor louco, em que a mulher representa o objeto do desejo (obscuro, para lembrarmos
de Luis Buñuel) indecifrável e imprevisível;
- O humor negro, com o qual buscava-se criticar e destruir as bases institucionalizadas da
sociedade burguesa, como a Igreja, a Família e o Estado. No caso de Lynch, vale ressaltar
que ele também promove o ataque aos mitos e aos clichês do cinema hollywoodiano,
trabalhando um processo de metalinguagem, ou no mínimo, realizando um cinema repleto de
citações, paródias e pastiche. Aliás, fatores típicos da cena cultural em que vivemos
atualmente;
- O acaso objetivo, tanto na concepção filosófica e temática das obras, como interferindo no
próprio decorrer da elaboração dos filmes, o que lhes possibilita novos rumos estéticos;
- Junto com o acaso, e até um pouco como decorrência disso, uma valorização muito grande
do mistério, mola propulsora das descobertas surrealistas e que em Lynch tende-se mais
para o suspense e para uma ambientação de caráter noir e, em certos momentos, até
próxima do expressionismo;
- Aliado ao acaso e ao mistério, o mundo onírico, em que os sonhos fazem parte do real,
acabando assim com os limites e com as barreiras que separam sonho e realidade, afinal nada
é mais real que o onírico e nada é mais onírico que o real nos filmes de Lynch (como
acontecia também nas obras surrealistas);
- A descontinuidade do espaço e do tempo, a não-linearidade, marcas do cinema surrealista
que se tornaram recorrentes nos filmes de David Lynch;
- A recorrência de elementos bizarros, que tendem ao grotesco, como partes decepadas do
corpo humano, insetos, pessoas com deformações (cegos, anões e outros), enfim, elementos
que escapam do padrão tradicional e até mesmo o enfrentam.
O movimento e a (anti)estética surrealistas
O Surrealismo surgiu como um movimento que pretendia negar a estética, os valores
estabelecidos de uma sociedade burguesa e burocrática. Primeiramente, as pesquisas
plásticas realizadas por pintores desde o início dos anos 20 procuraram uma ruptura
completa com as tradições aceitas da expressão artística. Faz-se necessário aqui, ressaltar
que o surrealismo teve um movimento precendente que muito o influenciou: o Dadaísmo,
que teve início em 1916. Os artistas dadaístas protestavam contra a doutrinação e a favor da
negação e da destruição de tudo que era estabelecido: a ordem, as instituições, a estética
sedimentada. Os principais nomes ligados ao Dadá foram Tristan Tzara, André Breton,
Francis Picabia, Marcel Duchamp e Max Ernst, sendo que Tzara e Breton disputavam a
“chefia” do grupo.
Da arte dadaísta, vale ressaltar os ready-mades works of art, ou apenas, readymades,
desenvolvidos por Duchamp, a collage praticada por Max Ernst e a escrita
automática, base da produção literária de Tzara, Breton, Picabia, entre outros. Em 1922,
porém, começaram os desentendimentos e as desavenças no grupo Dadá. Os insultos
tornaram-se constantes entre Tzara e Breton. O Dadá se autodestruía.
A fundação do Surrealismo como movimento - na verdade, hoje considera-se que a
primeira obra surrealista foi Les Champs Magnétiques, desenvolvida em escrita automática
por André Breton e Phillipe Soulpalt, em 1919 - ocorreu nesse mesmo ano, 1924, através
da publicação do Manifesto do Surrealismo, escrito por Breton. No Manifesto, Breton
afirmava o surrealismo como uma entidade natural, não induzida, renegando, assim, as
pesquisas feitas com o uso do hipnotismo e de drogas. Ele elegia, então, o maravilhoso, o
inconsciente, o automatismo como características e fundamentos surrealistas. Descrevia o
surrealismo como “automatismo psíquico puro pelo qual se propõe exprimir, seja
verbalmente, seja por escrito, seja de qualquer outra maneira, o funcionamento real do
pensamento, na ausência de todo controle exercido pela razão, fora de toda preocupação
estética ou moral.”
Num primeiro momento, influenciados pelas pesquisas de Sigmund Freud, os
surrealistas buscaram em suas obras revelar os mistérios do inconsciente humano. Voltados
a um processo de descobertas da subjetividade, procuraram expor as faces do eu individual.
Encaravam os desejos humanos como determinantes na configuração do mundo. Eles
sentiram, porém, a necessidade de situar esse subjetivismo no social, de transformar
objetivamente o mundo. Assim, num segundo momento, encontraram nos estudos de Karl
Marx um campo vasto para se aprofundarem na questão política do indivíduo inserido em
seu meio e superarem o subjetivismo anterior, buscando no materialismo as respostas para
as questões sociais do eu.
Mesmo com o afastamento de vários artistas, a partir de 1930, por não concordarem
com a estreita ligação entre Breton e Trotski e o conseqüente envolvimento político, o
Movimento Surrealista, por intermédio de Breton, sobreviveu até dezembro de 1965,
quando aconteceu a 11º (e última) Exposição Internacional do Surrealismo, na Galeria
L’Oeil, em Paris. Com a morte de André Breton no ano seguinte, o surrealismo se desfez
enquanto movimento organizado.
No entanto, a arte, a estética surrealista não morreu. Ela continuou viva,
influenciando artistas em todo o mundo, afinal os valores estabelecidos pelos surrealistas em
suas tentativas de compreender o homem e a realidade ainda estão presentes. Na busca da
“objetivação do desejo” no mundo, a arte surrealista foi muito além de sua época.
Segundo Sarane Alexandrian, a arte surrealista nasceu da tripla influência das artes
visionária, primitiva e psicopatológica. Da arte visionária do século XVI, os maiores nomes
foram Hieronymus Bosch (domínio do fantasmagórico) e Giuseppe Arcimboldo (técnica
da imagem dupla). Da arte primitiva (oceânica), os surrealistas elegeram a necessidade,
observada na maioria das obras, de se pintar aquilo que se crê e não apenas aquilo que se vê.
Da arte psicopatológica (a qual os surrealistas foram os primeiros a recorrer), a principal
característica era deixar aparecer as mensagens do inconsciente humano.
Podemos eleger como valores maiores da arte surrealista a beleza convulsiva, o
humor negro, o amor louco e o acaso objetivo. A beleza convulsiva significava aquela que
era resultante da oposição de duas realidades distintas na busca da surrealidade. O humor
negro objetivava uma espécie de terrorismo contra os valores da sociedade burguesa. O
amor louco, pelo qual os surrealistas elegiam a mulher como o objeto do desejo. E o acaso
objetivo, que se dava através das relações de coincidências recorrentes na vida. Na pintura,
o surrealistas impressionaram por retratarem os estados de alucinação, o encontro de
realidades distintas e as imagens oníricas. Entre os maiores nomes da pintura surrealista
estão Salvador Dalí, René Magritte, André Masson, Joan Miró, Yves Tanguy, Max
Ernst. Os quadros surrealistas exprimiam, de forma marcante, as revelações sobre o
desconhecido do universo humano.
O Surrealismo e o cinema
A relação entre o surrealismo e o cinema foi de atração imediata. O cinema se
mostrava aos surrealistas como um meio perfeito de expressar todos os valores aceitos
como fundamentais à sua estética, afinal era um meio novo sem o peso da tradição estética
das artes antigas. O discurso cinematográfico possibilitava ainda imitar a articulação dos
sonhos, a lógica de uma experiência que, retomando Freud, é o “preenchimento do desejo”
por excelência. O material cinematográfico (imagens visuais e sonoras) apresentava
exclusiva afinidade com o material trabalhado pelo inconsciente. Justamente o que o
surrealismo queria expressar. Nessa afinidade encontra-se a via liberadora, o poder
transformador do cinema.
Contra o esteticismo da vanguarda, o crítico e poeta surrealista Robert Desnos,
conforme coloca Ismail Xavier, “propõe o cinema autenticamente liberador, segundo os
princípios surrealistas: um cinema de sonho, de aventura, de mistério e de milagres; um
cinema que (...) incorpore à sua imagem a dimensão do desejo, sem repressões. O
fundamental para o surrealismo é o rompimento de um círculo: o do desejo sublimado e
inscrito nas convenções culturais e estéticas de um cinema que cultua a sugestão, que usa a
montagem como construção de um espaço verossímil e o corte como repressão da imagem
proibida. O cineasta surrealista quer atingir o maravilhoso, e, para tal, precisa lutar contra o
cinema que celebra a estabilidade do mundo de frustrações cotidianas ou fornece uma
experiência escapista bem comportada que nada mais faz senão aprisionar o espectador no
círculo de suas fantasias. O cineasta surrealista quer denunciar a rede de censuras articuladas
com a estética do cinema dominante. O filme surrealista deve ser um ato liberador e a
produção de suas imagens deve obedecer a outros imperativos que não os da
verossimilhança e os do respeito às regras da percepção comum (...). É preciso introduzir a
ruptura no próprio nível da estruturação das imagens, no nível da construção do espaço,
quebrando a tranqüilidade do olhar submisso às regras.”
Essa atração se consumou, entre outros fatos, pela realização de alguns filmes que
caracterizaram e fundamentaram as estéticas dadaísta e surrealista no cinema. Destes, vale
ressaltar Balé Mecânico (1923), de Fernand Léger, Entreato (1924), de René Clair,
Retorno à Razão (1923), Emak Bakia (1926), A Estrela do Mar (1928) e O Mistério dos
Castelos dos Dados (1930), de Man Ray, e Sangue de um Poeta (1930), de Jean Cocteau.
Porém, para nossa análise, escolhemos trabalhar com a obra do cineasta que mais
identificou-se com as características do surrealismo: Luis Buñuel.
A navalha surrealista de Luis Buñuel
No mesmo ano em que Man Ray realizou A Estrela do Mar, os espanhóis Luis
Buñuel e Salvador Dalí tiveram a idéia de realizar um filme juntos. A obra nasceu de dois
sonhos: Buñuel sonhou com uma nuvem cortando a lua e uma navalha cortando um olho, e
Dalí sonhou com uma mão cheia de formigas (motivo extremamente comum nas obras do
pintor espanhol). Assim, começaram a trabalhar o roteiro na cidade de Figueiras, na
Espanha. Um roteiro nada habitual, cuja premissa básica era, segundo o próprio Buñuel:
“não aceitar nenhuma idéia, nenhuma imagem que pudesse dar lugar a uma explicação
racional, psicológica ou cultural. Abrir todas as portas ao irracional.” Só incluir as imagens
que tocassem profundamente a psiquê humana. O filme foi rodado em 15 dias, nos estúdios
de Billancourt em Paris. Buñuel e o filme foram apresentados então à Man Ray e à Louis
Aragon, ambos já pertencentes ao grupo surrealista. Os dois, fascinados pelo filme, levaram
Buñuel para participar de uma reunião do grupo surrealista, no café Cyrano. Foi
apresentado então à A. Breton, Max Ernst, P. Eduard, T. Tzara, Y.Tanguy, R.
Magritte, entre outros. Com a freqüência de suas participações nas reuniões, Buñuel
também passou a integrar o grupo surrealista.
Luis Buñuel, em sua infância, teve uma educação religiosa das mais rígidas. Nasceu
em Calanda, em 1900, e permaneceu até a adolescência em Saragoça, regiões que ainda
viviam sob as influências do modo de vida da sociedade da Idade Média. Isso contribuiu e
foi decisivo na sua formação porque muitos dos valores morais adquiridos nessa época
continuaram a habitar Buñuel, que sofrendo na própria pele a repressão causada pela
doutrina religiosa, a crítica por ele construída contra os valores e os cânones dessa
sociedade burguesa cristã foi a mais mordaz e sarcástica de todas.
Essa relação nos leva a visualizar e a entender o fascínio e o respeito que Buñuel
sempre teve para com o mistério, decorrência de sua desconfiança crescente (ao total
descrédito) em relação à existência de um ser supremo, de um ser todo-poderoso. Um “ateu,
graças a Deus” como ele próprio se definia, e que acreditava que o ateísmo o levava
impreterivelmente para o respeito e para a aceitação do inexplicável. Buñuel afirmava que
todo o universo era mistério: “Escolhi meu lugar, ele se situa no mistério. Resta-me respeitálo”.
Coerente com sua crença no mistério, Buñuel defendia como ninguém os direitos do
acaso. Para ele, o acaso sempre foi perseguido e, por esse representar um perigo, um desafio
contra as leis das condições históricas e sociais que moldam o chamado “progresso” da
civilização, a ordem social tentou de todas as formas aniquilá-lo. Porém, acreditava Buñuel,
o acaso, sempre surpreendente, dribla tal ordem social e se apresenta, mais sutil. O acaso
nunca será totalmente exterminado, ele reaparece sempre para o mestre espanhol como “o
grande senhor de todas as coisas. A necessidade só vem depois. Não tem a mesma pureza.”
O acaso e o mistério encontraram nos sonhos os espaços ideais para se apresentarem. Luis
Buñuel (como outros surrealistas) achou nos sonhos a ajuda indispensável para o
desenvolvimento de seus mistérios.
Depois de Um cão andaluz, Buñuel realizou, em 1930, A idade de ouro, desta vez
com uma pequena participação de Dalí, pois eles já não tinham a mesma relação de amizade
que antes, devido o envolvimento de Dalí com Gala. A Idade de Ouro contou com a
participação de alguns amigos surrealistas de Buñuel, como Ernst, Jacques e Pierre
Prévet, Paul Éluard, entre outros. O filme de 1930, junto com Um Cão Andaluz, foi
considerado o marco da estética surrealista no cinema.
Durante a Guerra Civil Espanhola e a tomada de poder de Franco, de 1936 a 1939,
Buñuel permaneceu em Paris, pois era perseguido pela extrema direita por causa de seus
filmes, principalmente por Las Hurdes, filme-documentário sobre um miserável vilarejo na
Espanha (seu outro título era Tierra sen pan), realizado em 1932. Em 1939, retornou aos
Estados Unidos – onde já estivera no início da década – como fizeram vários de seus antigos
amigos do movimento surrealista. A Segunda Guerra Mundial já era uma realidade e a
Europa tornara-se inviável para se viver. Até 1946, no entanto, o cineasta não conseguiu
nenhum trabalho satisfatório nos Estados Unidos. Nesse ano, aproveitando algumas chances
que lhe foram apresentadas, Buñuel foi para o México. Na cidade do México, o cineasta
viveu até sua morte em 30 de junho de 1983.
Entre 1946 e 1965, Buñuel realizou vinte filmes no país, de um total de 32 filmes
por ele dirigidos. Destes, devem ser destacados: Os esquecidos (1950), com o qual ganhou
o prêmio de melhor diretor em Cannes, em 1951; Susana, Mulher Diabólica (1950);
Escravos do Rancor (1953); Nazarin (1958), filme que lhe deu o Prêmio Internacional em
Cannes no ano seguinte; O Anjo Exterminador (1962); e Simón del Desierto(1965),
ganhador de cinco prêmios no Festival de Veneza. Segundo Peñuela-Cañizal, nos filmes
mexicanos de Buñuel “já está cristalizado um processo estilístico que gera significâncias que
intensificam a dialética da ambigüidade e, conseqüentemente, problematizam ainda mais os
sentidos movediços decorrentes da confusão que se estabelece, no mundo do representado,
entre a exterioridade e a interioridade.”
Após a chamada fase mexicana, finalizada com Simón del Desierto, Buñuel dirigiu
mais seis filmes, realizados ora na França ora na Espanha: A Bela da Tarde (1967), Via
Láctea / O Estranho Caminho de Santiago (1969), Tristana - Uma Paixão Mórbida (1970),
O Discreto Charme da Burguesia (1972) – Oscar de melhor filme estrangeiro –, O
Fantasma da Liberdade (1974) e Esse Obscuro Objeto do Desejo (1977).
Para Peñuela-Cañizal, a “dialética da ambigüidade” encontra-se em toda obra de
Luis Buñuel. Ele comenta sobre essa relação observada também no filme O Fantasma da
Liberdade: “A liberdade que na primeira cena do filme é uma liberdade política e social (...),
assumia depressa um outro sentido, a liberdade do artista e do criador, tão ilusória
quanto à outra.” Para o cineasta espanhol as fronteiras do ato subjetivo da criação e da frágil
noção de liberdade estão confinadas ao eterno sentimento de ilusão que os desloca para um
espaço abertamente de conflito e de confronto, onde será gerada a identidade da obra de
arte. Uma arte engajada e não menos particular e individual, uma obra política e
extremamente libidinosa são as marcas deste pensador e poeta do cinema.
O veludo selvagem de David Lynch
As obras surrealistas alimentaram o cinema underground, mas também ressoaram na
considerada produção comercial. A arte surrealista continuou influenciando artistas mesmo
depois do fim do movimento surrealista organizado. Podemos perceber esses valores,
aceitos e trabalhados pelos surrealistas na tentativa de compreender o homem e a
surrealidade, na obra atual do cineasta norte-americano David Lynch.
Ele nasceu em 1946, em Missoula, no estado de Montana. Filho de um engenheiro
florestal que trabalhava para o governo, Lynch acompanhava o pai em expedições por
florestas e matagais, o que talvez, explique sua obsessão por tais lugares em seus filmes.
Com seus pais, ele viajou por todo interior dos Estados Unidos e passou sua infância em
várias cidades e estradas.
Ao casar-se pela primeira vez, Lynch mudou-se para a Filadélfia, lugar que o
marcou profundamente. Para o cineasta, Filadélfia é “a cidade mais nojenta” que ele já
conheceu. Uma das razões para esse sentimento de repugnância pode estar ligada ao fato de
que o casal era vizinho do necrotério local. Em Filadélfia, ainda, Lynch e sua mulher
estudaram na Academia de Belas-Artes. Mas, com a separação do casal, ele foi para Los
Angeles, com o cinema já povoando sua idéias. Nessa época, Lynch já havia realizado dois
curtas-metragens independentes: Six Figures (1967) e The Alphabet (1968). E foi assim que
ele obteve uma bolsa no American Film Institute e rodou, em 1970, o curta de animação
The Grandmother. Com esse curta, o cineasta conseguiu entrar para o Centro de Estudos
Avançados de Cinema de Los Angeles. Em 1972, com 20.000 dólares conseguidos
novamente no American Film Institute, ele iniciou a realização de seu primeiro longametragem.
Eraserhead demorou 5 anos para ser concluído, mas a bizarra história de um
casal que tem um filho monstruoso lançou o nome de David Lynch na esfera dos
produtores e das companhias norte-americanas de cinema. Segundo Claude Beylie, no livro
As Obras Primas do Cinema, “ele provou desde seu primeiro filme, Eraserhead, pesadelo
experimental nascido de um cruzamento de Frankenstein com Um Cão Andaluz, que
deveríamos contar com sua poesia tenebrosa.”
Graças a Eraserhead, Lynch recebeu o convite de Mel Brooks para dirigir O Homem
Elefante. O filme de 1980, realizado em preto e branco com o intuito de reproduzir com a
maior fidelidade a época vitoriana e acentuar sua carga dramática, garantiu a Lynch a
indicação ao Oscar de melhor diretor e o tornou conhecido do grande público. A história do
filme se passa na Londres de 1884, quando um cirurgião, Frederick Treves (Anthony
Hopkins), compra, de uma espécie de circo, um ser humano todo deformado (interpretado
no filme por John Hurt), que passa a ser explorado pelo médico, sob a bandeira da
curiosidade científica. Até que uma atriz, Sra. Rendal (Anne Brancoft), faz dele seu
protegido.
Com o sucesso e o prestígio alcançados com O Homem Elefante, David Lynch
lançou-se a seu projeto mais ambicioso até então. O filme Duna, de 1984, uma ficção
científica passada num futuro distante sobre mundos e seres completamente desconhecidos,
tornou-se, no entanto, uma obra à parte na carreira do diretor. O principal motivo apontado,
inclusive pelo cineasta, foi a constante interferência do produtor Dino DeLaurantis durante
a realização e a finalização do filme. Fato que levou Lynch a declarar que nunca mais iria
dirigir filmes nos quais ele não tivesse controle na edição final, aproximando-se de uma certa
forma do conceito de autoria no cinema.
A volta por cima de David Lynch aconteceu dois anos depois. Em 1986, o mundo
conheceu um dos filmes mais provocantes, bizarros e originais já realizados: Veludo Azul,
que lhe rendeu mais uma indicação ao Oscar. A idéia que deu origem a trama do filme
nasceu de um sonho do voyeur Lynch: entrar no quarto de uma mulher desconhecida e
observá-la durante toda a noite. Esse fato nos remete a um dos filmes mais significativos do
movimento surrealista. Como já vimos, Um Cão Andaluz, de 1928, também nasceu de
sonhos de Luis Buñuel e de Salvador Dalí. E as analogias entre esses dois filmes não
acabam nessa relação. O sonho de Dalí era sobre uma mão humana cheia de formigas. Em
Veludo Azul, toda a ação decorre do fato do jovem Jeffrey Beaumont (Kyle MacLachlan),
ao ir para a cidadezinha de Lumberton visitar o pai doente, descobrir, num terreno baldio,
uma orelha humana em fase de decomposição, repleta de formigas.
Podemos também encontrar em outro filme de David Lynch, Coração Selvagem,
uma mão decepada que é carregada na boca por um cachorro, o que mais uma vez nos
remete a Um Cão Andaluz, que também nos mostrava uma mão decepada sendo observada
por uma mulher. Porém, as ligações da obra de Lynch com a de Buñuel não são somente
uma questão anatômica. O norte-americano soube repensar e renovar a forma com que o
mestre espanhol trabalhava a questão do sonho, do onírico em seus filmes. Lynch é tão ou
mais enigmático que Buñuel na construção de cenas em que sonho e realidade se misturam,
se relacionam.
Assim, os contrastes entre o angelical e o bizarro, o etéreo e o convulsivo estão
presentes em Veludo Azul, como se pode notar já em suas cenas iniciais: um homem (o pai
de Jeffrey) está regando seu jardim. A música alegre toca no rádio. As cores são vivas,
alegres. Tudo está calmo. O homem então tem um enfarte. Cai. A água continua jorrando da
mangueira. A câmera acompanha a água e, lentamente vai descendo pela terra, onde os
insetos e os vermes se movimentam freneticamente, num delicado e constante balé pútrido,
anunciando o que aconteceria no filme.
Figuras marcantes também povoam Veludo Azul, reforçando os contrastes
emergentes da realidade. Dennis Hooper, numa interpretação marcante, faz um psicopata
viciado (ele usa uma máscara de gás) e que adora estuprar a cantora Dorothy Vallens
(Isabella Rossellini, esposa de Lynch na época), mordendo um pedaço de veludo azul.
Dorothy Vallens também merece atenção especial. Como a maioria das personagens
mostradas por Lynch, em seus retratos múltiplos do ser humano, a personagem de Isabella
Rosellini apresenta duas faces: a mulher dominadora, que não reluta em fazer sexo oral no
rapaz desconhecido que a observava (Jeffrey), ameaçando-o com uma faca, e a mulher
desprotegida e frágil, que pede socorro a esse mesmo rapaz. Isso nos faz lembrar do mestre
espanhol Luis Buñuel e um de seus temas freqüentes: a mulher como objeto de desejo
inatingível e indecifrável. O exemplo máximo encontramos na Conchita (vivida por Angela
Molina e por Carole Bouquet) de Esse Obscuro Objeto de Desejo, de 1977. Mas assim
também eram a bela da tarde, Tristana, Viridiana, bem como as “mulheres de Lynch”, Laura
Palmer, de Twin Peaks, Renee Madison/Alice Wakefield, de A Estrada Perdida.
Lynch ganha, em 1990, a Palma de Ouro em Cannes, com o filme Coração
Selvagem, que mostra a história do casal Sailor e Lula (Nicolas Cage e Laura Dern,
respectivamente) e sua viagem surpreendente e perigosa pelos Estados Unidos, e que veio
confirmar a genialidade desconcertante de Lynch. Mais uma vez, o cineasta utilizou-se de
elementos distintos e contrastantes, como o fogo, os vermes, o amor (e até a canção Love
me Tender de Elvis Presley), para desmascarar e chocar a sociedade norte-americana. Para
tanto, Lynch recorreu novamente às “parte podres” para demonstrar sua visão crítica sobre
o sistema social norte-americano e tentar abolir seu véu, seus disfarces. Lynch explora ao
máximo os símbolos que denotam a carne, elemento primordial à vida humana,
transformando-se, putrefando-se, até a morte. Basta lembrarmos a orelha decepada que se
deteriorava no filme Veludo Azul, ou a mão mutilada de um velho que é carregada por um
cachorro em Coração Selvagem . Além dos vermes, ou as moscas que descrevem círculos
sobre o vômito de Lula (Laura Dern) num hotel de beira de estrada. Coração Selvagem
chocou e ainda impressiona pela utilização de elementos bizarros e incomuns em uma
narrativa sobre o amor e a paixão entre um casal, o tema básico do filme.
No mesmo ano em que recebeu a Palma de Ouro em Cannes, Lynch realizou para a
televisão a série Twin Peaks. A estréia aconteceu em abril de 1990, na rede norte-americana
ABC e teve sete episódios semanais. Contrariando as pessimistas expectativas dos
empresários, Twin Peaks tornou-se logo um sucesso e uma mania nos Estados Unidos. Na
época, a frase mais repetida por lá era: “Quem matou Laura Palmer?”. Isso fez com que a
série tivesse continuação e os novos episódios começaram a ir ao ar a partir de setembro
daquele mesmo ano. Em 1991, Twin Peaks já era um sucesso mundial.
A trama se passa na cidadezinha de Twin Peaks, próxima a fronteira do Canadá,
onde é encontrada morta, envolta por um saco plástico, a jovem Laura Palmer (Sheryl Lee,
que também interpreta a prima de Laura, Madeleine). O agente especial do FBI, Dale
Cooper (Kyle MacLachlan), é chamado para comandar as investigações, junto com o
xerife local, Harry Truman (Michael Ontkean). A partir daí, tem início um verdadeiro
desenrolar de fatos inusitados e bizarros e acontecimentos fantásticos, mostrando que todos
ali têm algo a esconder. Assim, para descobrir as razões do assassinato, o agente terá que
descobrir o lado oculto, os segredos dos indivíduos de Twin Peaks e também os seus
próprios, iniciando um mergulho através das representações do seu inconsciente, marcado
formalmente pelas suas gravações a uma suposta (e desconhecida para o espectador) Diane.
Todo o caso é resolvido num sonho do agente Cooper.
Em 1992, ainda colhendo os frutos da bem sucedida série, David Lynch foi
convencido por um milionário francês (que arcou com as despesas) a fazer um longametragem
para o cinema inspirado em Twin Peaks. Foi assim que nasceu Twin Peaks - os
últimos dias de Laura Palmer. O filme, em que Lynch se aprofunda ainda mais na fusão
sonho/realidade, começa com o aparecimento de um corpo de uma mulher, Teresa Banks,
boiando num rio, na cidade de Deer Meadow, um ano antes da morte de Laura Palmer. Um
agente do FBI, Chester Desmond, inicia as investigações mas logo some misteriosamente. O
agente Dale Cooper (novamente vivido por Kyle MacLachlan) assume em seu lugar. A
ação transporta-se, então, para a cidade de Twin Peaks, na última semana da vida de Laura
Palmer. Algumas questões deixadas em aberto na série são abordadas agora por Lynch,
como, por exemplo, a vida múltipla de Laura Palmer (Sheryl Lee): anjo/demônio,
adolescente/adulta, boa/má, inocente/culpada, etc..
Assim também acontece em A Estrada Perdida, de 1997, porém, aqui, David
Lynch, aprofunda-se ainda mais radicalmente numa viagem através do inconsciente do ser
humano e de seu duplo. Neste filme ainda, Lynch desenvolve com maestria a concepção
sonora da obra, aperfeiçoando as características já observadas em Veludo Azul, Coração
Selvagem e Twin Peaks. Além disso, a duplicidade da personagem vivida por Patricia
Arquette nos remete novamente a Laura Palmer, a Conchita e tantas outras personagens
femininas das obras de Lynch e de Buñuel. Em algumas obras, a forma com que Lynch
trata o mistério e a sensação mista de prazer e de desespero que ele causa nos remete à
alguns artifícios criados por Buñuel. Em A Bela da Tarde o mistério está no conteúdo de
uma certa caixinha e em Esse Obscuro Objeto do Desejo no saco que o protagonista carrega
em certos momentos. Ou seja, para Buñuel, o mistério se dá pela presença de um objeto
fechado e pela ausência de conhecimento do que há no seu interior. Em Twin Peaks (tanto
na série televisiva quanto no longa-metragem), o mistério está nas páginas arrancadas de um
diário, do qual não conhecemos praticamente nenhuma folha. Mesmo não sabendo o
conteúdo das folhas que continuam presentes, o mistério para o espectador acontece em
relação às páginas arrancadas. Ou seja, para Lynch, o mistério se dá pela falta de uma parte
do objeto em confronto com a presença de outras partes (“afinal, por que só aquelas páginas
foram arrancadas?).
O respeito e o lugar do mistério, porém, estão reservados tanto por Buñuel quanto
por Lynch. Não apenas o mistério enquanto causador de ações, mas principalmente o
mistério enquanto reflexo de uma relação entre os vários eus que habitam o homem. Para
entender esse mistério, desenvolvemos uma breve análise de duas seqüências do filme Twin
Peaks - os últimos dias de Laura Palmer, de 1992.
A primeira seqüência analisada acontece logo após o sumiço do agente Chester
Desmond, quando Dale Cooper é chamado por seu superior Gordon (vivido pelo próprio
Lynch) para assumir as investigações. Vale lembrar que a personagem Dale Cooper é a
mesma da série televisiva, inclusive o ator que a personifica é o mesmo, Kyle MacLachlan.
Assim como no quadro de Magritte, A Reprodução Interdita(Retrato de Edward James)
(1937), temos aqui a relação de uma personagem com a sua própria imagem. No quadro,
Magritte nega ao receptor o reflexo de Edward James olhando para o espelho da maneira
como a “lógica” social dos homens determina: vemos a personagem refletida também de
costas. No filme, Lynch inverte essa relação. Cooper olha para uma câmera, sua imagem é
congelada. Ao olhar para o monitor, ele vê sua imagem de frente, olhando para a câmera (e
para ele mesmo). Mas, então, qual a ligação entre as duas obras, se elas se diferenciam
tanto? As diferenças são aparentes.
Magritte causa o mistério, a dúvida ao colocar do lado da personagem um livro (As
aventuras de Gordon Pin, de Edgar A. Poe), que tem seu reflexo exatamente da maneira
“logicamente” esperada. Ele, dessa forma, presentifica a personagem, pois o espelho lá está
presente. Esse processo de presentificação (e des-presentificação) está na seqüência do
filme, pois ao ver sua imagem congelada, Cooper observa (e o receptor também) o agente
Philip passando ao lado dela. Ou seja, a imagem congelada de Cooper (passado) é
presentificada pela passagem de uma outra pessoa. No quadro de René Magritte a dúvida e
os questionamentos eram direcionados para o receptor da obra, já na obra de David Lynch
a própria personagem é que detém essa dúvida. Seu questionamento interior é exteriorizado.
Isso nos leva para outra relação observada nessa seqüência.
A partir dessa relação de exteriorização, Lynch nos possibilita a observação mais
detalhada da seqüência. Tudo ali acontece em função de Dale Cooper, é ele quem foi
chamado por Gordon, bem como é a imagem dele que atesta a passagem de Philip. Assim,
reportamos para o inconsciente do agente Cooper as imagens oníricas descritas pelo suposto
Philip, imagens que mostram um estranho grupo de pessoas reunidas para uma espécie de
seita e das quais podemos destacar um anão (que fala de um modo peculiar e que parece ser
uma espécie de líder), um homem de longos cabelos grisalhos (que depois saberemos tratarse
de Bob, o assassino), uma senhora e um garoto que tem uma estranha máscara com nariz
pontiagudo.
Nada mais real que o onírico para Lynch. Na arte dele, sonho e realidade pertencem
a um mesmo plano, habitam o mesmo espaço. Para compreendermos melhor como Lynch
aborda essa questão sonho-realidade, partimos para a análise de outra seqüência do filme,
tendo agora como centro condutor Laura Palmer e que retoma algumas questões, espaços e
personagens da sequência anterior. Antes de iniciarmos a análise dessa seqüência, é
necessário que expliquemos alguns trechos anteriores à ela. Laura Palmer, entre os vários
empregos que tinha, trabalhava como garçonete numa lanchonete (dessas que atendem no
carro). Certo dia, uma senhora e um garoto (os mesmos das imagens oníricas da primeira
seqüência) aparecem e lhe dão um quadro para pendurar no seu quarto. Esse quadro contém
a imagem de uma porta aberta. Além disso, vale falar também sobre a seqüência que
antecede a analisada. Nela, Laura chega em casa e seus pais estão prontos para o jantar. Ela
senta-se na mesa e seu pai, de um modo áspero e violento, a repreende por estar com os
dedos sujos. Laura chora com medo, assustada.
Percebemos na seqüência seguinte as duas questões surrealistas mais marcantes em
todas as obras analisadas: o universo do sonho e do real e a abordagem da construção do
sujeito enquanto relação entre o eu e o outro. Como vimos, Lynch acredita no sonho e no
real como partes de um todo. Essa surrealidade do cineasta se expressa nessa seqüência
quando ele torna complexa a experiência do “acontecer no sonho”, passando a “acontecer
no sonho-realidade”. Laura coloca o quadro na parede antes de dormir. Ela se deita e depois
do corte entre os planos, temos uma câmera subjetiva que vai caminhando para dentro do
quadro. Laura recebe, aparentemente no sonho, um anel das mãos do anão. O agente
Cooper aparece no sonho e diz para ela não aceitar o anel. Laura segura o anel. Ela acorda e
está com o anel nas mãos. Porém, ao lado dela aparece uma moça deitada com sangue pelo
corpo. Ela conversa com Laura, mas de repente desaparece. Laura levanta-se e vai até a
porta de seu quarto. Ela olha para o quadro e se vê olhando pela porta do quadro. Ela deitase
novamente. Quando acorda ela não está mais com o anel.
Realmente, Lynch aprofunda-se em produzir a dúvida no receptor sobre as relações
entre o sonho e a realidade. Ele traz para o cinema, assim como o fez Buñuel, o equivalente
à beleza convulsiva, ao encontro de duas realidades distintas que tanto marcou os quadros
surrealistas, em especial os do espanhol Dalí e os do belga Magritte. A ligação com a obra
do pintor belga, porém, faz-se mais presente, pois, além da relação já vista entre a seqüência
anterior e o quadro A Reprodução Interdita, temos aqui, na seqüência de Laura Palmer, o
mesmo tratamento concedido à relação eu/outro e à inserção do receptor nos quadros O
Terapeuta (1937) e O Jóquei Perdido (1926), de Magritte. Apesar de sabermos a
identidade de Laura Palmer, e de Dale Cooper dirigir-se à câmera referindo-se à ela, o
travelling que David Lynch desenvolve ao percorrer as dependências do lugar, que
supostamente a porta do quadro leva, temos a sensação de que somos nós que caminhamos
por aqueles corredores e salas. A viagem percorrida por Laura é transportada para nós, a
partir de nossas experiências, de nossas ilusões, de nossos anseios. Assim como
preenchemos o corpo (a matéria) ausente da personagem de O Terapeuta, e como damos
uma identidade à personagem desconhecida de O Jóquei Perdido, a partir de nossa
subjetividade.
Mais uma vez, no entanto, Lynch aprofunda sua busca subjetiva para além das
propostas e dos resultados dos artistas surrealistas. Se podemos afirmar que tais artistas já
estavam à frente de sua época, anunciando características e valores do que chamamos hoje
de transvanguarda, como por exemplo, o trato dado ao sujeito, reforçando suas
preocupações individuais, reafirmamos aqui que o cineasta David Lynch renova os valores
surreais, dando-lhes, porém, novas significações. Refletindo a época em que estamos,
Lynch investe fundo na ultra-individualidade (não podemos dizer que a questão social,
como a crítica à hipocrisia social, às instituições, foi totalmente diluída), confirmando este
momento como de (re)leitura e de (re)apropriação de conceitos, de características e de
valores modernos, sendo que na obra de Lynch a estética surrealista, principalmente.
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